segunda-feira, 10 de abril de 2017

Susanna Wesley: O que podemos aprender com uma mãe de 19 filhos?

  Muitos filhos só estão de pé porque suas mães estão de joelhos. Homens e mulheres que se destacaram e se tornaram “grandes” ao longo da História não alcançariam tais posições não fosse por suas mães que lhes serviram de base, exemplo, inspiração e força propulsora. Popularizou-se a frase de que “Por detrás de grandes homens, estão grandes mulheres”, equivocado. Grandes homens são gestados, gerados, educados e projetados por grandes mulheres, aliás, muito da grandeza de tantos filhos são reflexos transparentes da grandeza de suas mães (ou seus pais). É impressionante o paralelo da vida. Nossa vida começa com nossa mãe nos carregando em seu ventre, depois em seu colo e, por fim, em seu coração, pensamentos e orações sempre. Depois, a situação se “inverte”, somos nós que “carregamos” nossos pais, os interiorizamos dentro de nós, quando crianças são nossos modelos ideais, exemplos a serem imitados. Passamos por aquela fase (a grande maioria) da adolescência rebelde, onde iludidamente taxamos nossos pais como aqueles que “não sabem nada” e proclamamos “liberdade, independência!”, mas quando chegamos à maturidade redescobrimos que na realidade nós é que não sabemos de nada, eles têm os saberes que precisamos saber a sabedoria que universidades, colégios e cursos não vendem, pois, é sabedoria pura, resultado da faculdade da vida, não é o resultado de conhecimentos teóricos adquiridos, mas da sabedoria amadurecida pela (s) experiência (s) vivida (s). Nossos pais, especialmente, nossa mãe permanece em nós mais vivos, pulsantes e influentes que possamos imaginar, aos academicamente rigorosos, as ciências neurológicas e psíquicas comprovam isto: Psicologia, psicanálise, neurociência, etc.
            Muitos de nós certamente já ouvimos falar de John Wesley, o notável ministro anglicano que se eternizou na História como “A tocha tirada do fogo”, pois, saindo vivo de um incêndio que ocorreu em sua casa, levando-a as cinzas, a criança (8 anos à época) saiu milagrosamente ilesa, o fato foi um sinal indiscutível que o menino tirado do fogo era um tição de Deus para incendiar o mundo. John Wesley se tornou um intelectual respeitável, conseguiu com êxito a quase impossível tarefa de conciliar vida acadêmica com uma vida cheia do Espírito Santo, sem jamais se esfriar. Elaborou teologias, dissertou sobre temas complexos da fé, escreveu incansavelmente, pregou para multidões cujas cifras fogem à pena, levou milhares de vidas ao senhorio de Cristo, fundou (sem que essa fosse sua intenção primária) uma sólida denominação evangélica (A Igreja Metodista), inspirou e ainda inspira (inclusive a mim) milhões de pessoas ao redor do mundo, pois é um daqueles homens que mesmo “depois de morto, ainda fala” (Hebreus 11.4). Todavia, o que poucos sabem, e dos poucos que sabem, menos ainda assinalam é que a grandeza de John Wesley é conseqüência direta da grandeza de sua amável mãe, a senhora Susanna Wesley, a respeito de quem este artigo discorre em tributo.
            Susanna Wesley nasceu em 20 de Janeiro de 1669 em Epworth, Inglaterra, filha de um ministro puritano (movimento de reforma/restauração da Igreja, família e Estado no século XVIII). Como era de costume à época casou-se muito jovem também com um ministro da Palavra, Samuel Wesley. Foi mãe de 19 filhos, dos quais, John Wesley era o 15°. Seus biógrafos relatam que a vida de Susanna foi turbulenta. Viveu quase a maior parte de sua vida a margem da miséria, enfrentando muitas dificuldades. Seu marido, Samuel Wesley foi preso duas vezes por questões financeiras (dívidas), duas das casas onde moraram pegaram fogo, sendo totalmente perdidas por causa do incêndio e como se não bastasse, a exemplo de Jó- O personagem bíblico popularmente conhecido por suas tribulações seqüenciais, paciência e confiança em Deus, Susanna enterrou 10 dos 19 filhos que seu ventre gerou. Como seu marido era um pregador itinerante (viajava muito), viveu momentos extensos e intensos de solidão e angústia, tendo no Espírito Santo somente, o amigo fiel com quem pôde compartilhar suas tristezas materializadas em lágrimas. Apesar de todos esses infortúnios, a vida de Susanna Wesley é uma série de lições sobre a vida cristã das quais podemos e precisamos aprender muito. A primeira é sobre prioridade de tempo: Apesar de sua fragilidade física devido a alguns problemas de saúde, os compromissos do lar no que tange a organização da casa e educação dos filhos, etc., quando já era mãe de nove filhos Susanna decidiu dedicar 2 horas diárias para uma devocional com Deus, período de oração, louvores, quebrantamento e leitura assídua da Palavra de Deus (a Bíblia), acontecesse o que for, houvesse o imprevisto que fosse, nada, absolutamente, a fazia falhar em seu compromisso diário com Deus. Para tantos as 22 horas do seu dia eram sustentadas por aquelas 2 horas diárias com Deus, certamente. Susanna entendeu Mateus 6.33, a prioridade do Reino era pressuposto de sua vida, como o salmista do salmo 42.1 a alma daquela mulher “suspirava, ansiava, desejava Deus”, podia exclamar como o autor do salmo 84.10 “Um dia em tua casa (presença) vale mais do que mil em qualquer outro lugar”, Susanna Wesley era como aquela Maria que se deleitava em “Ficar aos pés do Senhor” (Lucas 10.38-42), o que não significava que fosse negligente com seus compromissos familiares, no lar, antes, entendeu o princípio da prioridade: primeiro o Reino (O Rei), depois, as demais coisas. A segunda lição é sobre a dedicação aos filhos: Susanna Wesley era uma mãe presente e atuante, compreendeu com precisão o princípio de Provérbios 22.6 “Ensina a criança no caminho que se deve andar”, essa mãe amorosa, não simplesmente indicava o caminho aos filhos, andava de mãos dadas com eles no caminho. Mesmo com todos os compromissos e afazeres, organizou seu tempo de modo que ela mesma alfabetizou todos os filhos, ensinando-os a ler e escrever a partir da Bíblia, educando-os como homens e mulheres, sobretudo, como homens e mulheres de Deus. O quanto essa mulher tem a dizer aos pais de hoje (sem generalizar jamais)? Muitos dos quais, “entregam” seus filhos aos “cuidados” das escolas (por vezes dominadas por sistemas de pensamentos anticristãos e mundanos) ou mesmo à televisão e as mídias sociais a ponto de se tornar válido a máxima antropológica: “Muitos homens se parecem muito mais com sua época do que com seus pais”, nossos filhos se tornam a “imagem e semelhança” de um mundo secularizado e pervertido e tantos pais ainda terceirizam as responsabilidades, buscando eximir-se. Susanna Wesley nos ensina que nossos filhos serão resultado do tempo que investimos neles, ainda que não imediatamente, pois é verdade, muitos filhos educados em contextos cristãos andam perdidos, mas a semente foi germinada e ao seu tempo, fatalmente brotará e trará seus frutos (Eclesiastes 11.1). A terceira e última (abordada nesse artigo) é sobre a Fé incondicional: Cabe reafirmar o fato de que a vida de Susanna foi complexa, ela viveu tensões no lar, dificuldade financeira, perdeu 10 filhos, mas sua fé foi incondicional. Essa mulher gigante cristalizou a incondicionalidade do amor de Deus, isto é, absorveu a revelação bíblica de que Deus nos ama não pelo que somos ou fazemos, mas porque Ele é amor, é a essência de Deus materializada na pessoa de Cristo Jesus (João 3.16; Romanos 5.8). De igual modo devemos corresponder a esse amor na incondicionalidade da nossa Fé, ou seja, nossa confiança em Deus não deve ser movida pelas circunstâncias que vivemos, mas pela confiança no Deus que cremos/temos. Em meio a todas as “tempestades e/ou desertos” da sua vida uma frase clássica da irmã Susanna evidencia sua fé inabalável em Deus “Ainda que o homem nasça para o infortúnio, eu creio, todavia, que sejam raros os homens sobre a Terra, considerado todo o curso da sua vida, que não tenham recebido mais misericórdia do que aflições e muito mais prazeres do que dor. Todos os meus sofrimentos, pelo cuidado admirável do Deus Onipotente, cooperaram para promover meu bem espiritual e eterno… Glória seja a ti, oh Senhor!”
            Deus seja louvado pelo legado que nos deixou Susanna Wesley! Que Deus levante mais “Sussanas” e conseqüentemente o mundo será presenteado com mais “Johns Wesleys!”


“Na realidade, tudo o que sou, como cidadão, como brasileiro, como homem público, à minha mãe o devo.”

Juscelino Kubitschek


quinta-feira, 6 de abril de 2017

Devocional: A Viva Esperança que não nos deixa desistir!

           
       
           Ao redor do mundo contemporâneo crise é a palavra mais pronunciada, indubitavelmente. Na sofisticada Europa, no crescente Tigre asiático, no poderoso EUA e nas terras latino-americanas, inclusive, no Brasil, a realidade ou o imaginário da crise perpassa as mais diversificadas mentes e casas. Famílias desestabilizadas, casamentos abalados, recursos escassos são reflexos dos colapsos econômicos que estremecem os alicerces globais. Desemprego, desilusão e desesperança são latentes em milhões de pessoas ao redor do mundo, de igual modo no Brasil, onde os jornais impressos ou televisivos noticiam a cifra/ margem de mais de 14 milhões de desempregados. Como o cristão deve enxergar essa situação? Como a Palavra de Deus nos conduz a perceber esses períodos de crise que assolaram e assolam nações ao longo da História ao redor do mundo e hoje no nosso próprio país? De maneira objetiva é o que vamos procurar ver/refletir nesse devocional.
            Em primeiro lugar é importante não perder de vista a soberania de Deus. O descontrole governamental das autoridades políticas, administrativas ou militares jamais serão reflexos de um suposto descontrole de Deus. As Escrituras revelam que Deus é o criador deste mundo (Gênesis 1-2), o salmista proclama o fato de que “Do Senhor é a terra e toda a sua plenitude” (Salmo 24.1), nas palavras do profeta Ageu, Deus é “Dono do ouro e da prata” (2.7), enquanto o autor de Hebreus assinala o fato de que Deus “Fundou a terra, e os céus são obras de tuas mãos” (1.10). Ao contrário da perspectiva Deísta que entende Deus meramente como o princípio criador que gerou todas as coisas e estabeleceu leis físicas que regem a criação, sem jamais, interferir nela, a posição bíblica revela Deus não apenas como o criador, mas como plenamente participativo no panorama criacional. Ele é denominado o “Alfa e Ômega” (Apocalipse 1.8), haja vista, o fato de que perpassa do princípio ao final da história temporal da criação. Se para o célebre historiador Marc Bloch (1886-1944) a História é a ”Ciência dos homens no tempo”, eu definiria que a História (na perspectiva bíblica) é a “Revelação progressiva de Deus no tempo”. Deus é atemporal, pois é Eterno (I Timóteo 6.16), mas a História é exatamente a temporalização do Eterno, evidenciado, no “Verbo que se fez carne” (João 1.14), portanto, é o Eterno se inserindo na temporalidade para se revelar progressivamente à sua criação. No cristianismo, a transcendência de Deus, isto é, Ele é o “totalmente Outro” e sua imanência, ou seja, Ele é “plenamente imanente a nós” não são dicotomias, mas convergências dialógicas, realidade materializada no fato supracitado de que “O Verbo (que era Deus) se fez carne” (João 1.1). Portanto, Deus é senhor da História.
            Possivelmente, influenciado pela leitura dicotômica existencial de Platão, muitos círculos teológicos desenham um “conflito cósmico” entre bem e mal, luz e trevas representado por Deus e o diabo, como se ambos fossem forças antagônicas conflitantes entre si travando um combate cataclísmico. Que o diabo é a incorporação e a representação do mal/trevas é fato bíblico, foi por sua sedução maliciosa que Adão e Eva pecaram (Gênesis 3), sua atuação no mundo culmina em tragédias e destruições das mais diversificadas, aliás, Jesus expulsou muitos demônios, haja vista sua missão messiânica de “libertar os cativos” (Isaías 11.1-2) e ordenou aos discípulos que também o fizessem (Mateus 10.1-11), afirmou, outrossim, que “Lhes deu poder e autoridade” (Lucas 10.19) a despeito dos demônios. Não estou negando a realidade tangível do mal. Mas mesmo o mal é subserviente ao poderio de Deus, satã não é um agente livre que realiza o que quer ao seu bel-prazer, a história de Jó é um bom exemplo disto. Desejoso de tentar Jó- “Homem integro e reto” (1.11), o maligno precisou “pedir a Deus permissão para tocá-lo” (2.1-7). Gosto do que Martinho Lutero (1483-1546) disse, a saber, que “O diabo é apenas um cão raivoso preso na coleira de Deus”. Não insinuo desconsideramos o poder (outorgado por Deus) que este ser maligno possui, antes, apenas, lembrar-nos que o poder que satã possui é diminuto e subserviente ao único que detém “Todo poder e autoridade” (Mateus 28.18), a respeito de quem todas as coisas lhe estão submissas. O que também não infere que Deus seja o autor do mal. O mal é resultado da livre escolha humana que legaliza a atuação do mesmo sobre si, como Paulo bem ponderou “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23), assim, fica explícito, que as conseqüências trágicas resultam das decisões tolas. Mas a atuação do mal não inibe a soberania de Deus. Aliás, uma informação é importante. A palavra hebraica para mundo é Olam derivada de hêlem que significa ocultação. Que mensagem maravilhosa! O mundo oculta Deus, por trás de tudo isso, está o Senhor de toda a criação, não distante, mas, operante.

            Conscientes dessa soberania de Deus é preciso atentar para mais dois fatos. O primeiro é que Deus tem uma aliança com seu povo Israel (Êxodo 19-24) e com a Igreja enxertada mediante o sacrifício vicário de Cristo (Mateus 27.51; Romanos 11.1-31). Sem delongar, basta lermos sobre o cuidado e o zelo de Deus com seu povo durante o período das “Dez pragas” no Egito, enquanto os egípcios eram assolados, Israel desfrutava de livramento. Todavia, ao contrário de tantas pseudo-teologias triunfalistas, é fundamental observar que mesmo o povo da aliança, ou seja, o povo de Deus não está imune às crises e situações adversas. Nossa desobediência e obstinação podem nos levar a esses momentos turbulentos. Por outro lado, o próprio Deus pode nos conduzir “aos desertos da vida” (Deuteronômio 8.1-4; Mateus 4.1-11), simplesmente a fim de nos “provar”, e antes que alguém pense ser isto mero “capricho de um Deus tirano e vaidoso”, não é, antes revela o amor de Deus em usar pedagogicamente as adversidades da vida para que amadureçamos e sejamos aperfeiçoados para um propósito maior que às vezes são ocultados e só o tempo ou a eternidade nos revelará. Paulo, nosso apóstolo (aos gentios), relata aos Coríntios que passou várias necessidades, mesmo “Fome, sede, nudez, etc.” (I Coríntios 4.11-13). Assim, como manter viva a esperança em tempos de desesperança? Primeiro creia na soberania de Deus e confie que há um propósito pedagógico na permissividade de Deus em relação às situações adversas de sua vida, o mesmo Paulo que, por permissão de Deus, enfrentou tudo aquilo, posteriormente disse “Aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido, e sei também ter em abundância; em toda maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Filipenses 4.11-13). Que lindo! Paulo compreendeu que “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus” (Romanos 8.28) e nós também precisamos entender que nossa vida não será somente “vitória”, mas Deus usa as nossas derrotas, frustrações, perdas, etc., visando um propósito maior. Por fim (e a esse respeito valeria outro artigo) precisamos resgatar os fundamentos da nossa fé: Quem somos? Porque estamos aqui? E para onde vamos? Se soubermos que somos filhos de Deus em Cristo (João 1.11-12) que estamos aqui de forma passageira (Filipenses 3.20) e que vamos para um lugar onde as Escrituras prometem que “Deus enxugará dos nossos olhos todas as lágrimas” (Apocalipse 21.4), somente então nos desfaremos do mundanismo e materialismo exacerbado que por vezes se assenhoreou dos nossos corações, voltaremos como bem disse John Bunyan (1628-1688) a sermos “peregrinos em caminhada indesistível ao céu”, conscientes que “As aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Romanos 8.18) e então, somente então, compreenderemos o que Pedro disse “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande misericórdia, nos gerou de novo para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus Cristo entre os mortos” (I Pedro 1.3). Alegre-se! Nossa esperança é/está viva!

quarta-feira, 22 de março de 2017

Porque não somos cessacionistas? Uma perspectiva Pentecostal Clássica


  O cessacionismo, grosso modo, é uma corrente hermenêutica que interpreta os carismas (dons) espirituais relatados em Atos dos Apóstolos como pertencentes e pertinentes exclusivamente ao período apostólico e que, portanto, cessaram e/ou não estão mais disponíveis aos cristãos na contemporaneidade. Historicamente a raiz desta perspectiva equivocada, quiçá antibíblica, encontra-se (de forma sólida) em meados do século III- IV d.C. O contexto histórico apresenta um cristianismo pós-primitivo, distanciando-se dos apóstolos e dos denominados “Pais Apostólicos”, ou seja, aqueles primeiros padres (pais) e pastores (condutores) que guardaram a doutrina apostólica e se responsabilizaram por doutrinar na fé os novos convertidos de então. Com a conversão de Constantino I (272-337 d.C) que pôs fim na perseguição aos cristãos e posteriormente de Teodósio I (346-395 d.C) que efetivou o cristianismo como religião oficial do império Romano, a Igreja entrou em decadência, sua politização desencadeou um processo de racionalização, materialismo e mundanismo que se arrefeceram os ânimos no que tange a uma espiritualidade transcendente, experimental e vibrante. A Igreja agora livre, oficializada, institucionalizada e politizada, dispunha de mecanismos políticos, filosóficos e sociais no intuito de seu progresso e expansão que aparentemente dispensava a necessidade de “revestimento de poder” (Atos 1.8) como pressuposto para alcançar seus objetivos missionários. Agostinho de Hipona (354—430 d.C) o célebre “Doutor da Igreja” (Expressão designada pelo Catolicismo romano), foi um dos que mais contribuíram para fomentar o cessacionismo. São suas as palavras “O sinal foi dado e então expirou. Não devemos mais alimentar a expectativa de que quem receba a imposição de mãos deva receber o Espírito Santo e falar em línguas”, o mesmo Agostinho também disse “Por que, pergunto, não ocorrem mais milagres em nossos dias, como acontecia nos tempos antigos? Respondo que eles eram necessários na época, antes que o mundo viesse a crer, para que o mundo fosse convencido. (1)” Infelizmente essa interpretação instaurou-se no arcabouço doutrinário da Igreja à época e perduraram durante séculos na história do cristianismo, exceto um ou outro indivíduo ou mesmo pequenos grupos que tentaram corrigir esse erro, o clero e a grande massa da Igreja creu nisso quer no Catolicismo romano, no protestantismo luterano ou na reforma calvinista com suas especificidades.

  Somente em fins do século XVIII com as pregações do ministro anglicano e precursor dos grandes avivamentos John Wesley (1703-1791) e oficialmente com a experiência do falar em línguas da irmã Agnez Ozman em 1901 nos EUA e por fim, com a eclosão do movimento pentecostal cujo pólo foi Azuza Street (1906) é que as correntes do cessacionismo foram definitivamente destruídas e o continuacionismo emergiu das páginas das Sagradas Escrituras e do evento de Atos II para materializar-se novamente na história da Igreja. Mas afinal, porque nós, os pentecostais clássicos não somos cessacionistas? Porque somos bíblicos! E biblicamente não encontramos quaisquer subsídios que fundamentem uma cessação dos carismas (dons) do Espírito Santo no tempo dos apóstolos, pelo contrário, a pessoa, os carismas e a atuação do Espírito Santo são enfatizados e acentuados com maior intensidade exatamente para o tempo que marca as atividades da Igreja (enquanto corpo de Cristo) em constante espera (do retorno de Cristo) e trabalho (na proclamação do Evangelho).

  Biblicamente não somos cessacionistas, por no mínimo três motivos. O primeiro é a responsabilidade que temos como cristãos de darmos continuidade ao ministério de Cristo. Fato notável nos Evangelhos é o cuidado de Jesus em chamar homens para o discipulado e a preparação na nobre missão de disseminar o Evangelho (Mateus 10.1-10; Marcos 1.16-20), enquanto com eles, experimentou-os conforme Lucas 10.1-9; Mas sua ênfase recaiu, sobretudo, no compromisso dos discípulos enquanto propagadores do Evangelho, especialmente quando de sua partida (Mateus 28.19; Marcos 16.15; Lucas 24.46-47; João 20.21), contudo, o fato subseqüente é a incapacidade dos discípulos (em si mesmos) para tamanha missão. Interessante observar que mesmo Jesus, enquanto “Verbo encarnado” (João 1.1), isto é, o Deus que se fez carne (S. Anselmo) cumpriu as premissas de “ser batizado” e “receber o Espírito Santo” (Mateus 3.16) antes de iniciar suas atividades missionárias como relatam os quatro Evangelhos. A respeito de Cristo, o profeta Isaías profetizara sua pluralidade de carismas (11.1-2; vale ressaltar uma leitura paralela/ comparativa também em I Coríntios 12.7-10). Ora, se mesmo Jesus, apesar de plenamente Deus e plenamente homem considerou imprescindível, em sua condição humana “receber o Espírito Santo e os carismas advindos” quanto mais os discípulos (e nós como responsáveis pela continuidade da obra)? Aliás, tal dedução não pressupõe minha lógica explícita, antes, o próprio Jesus, afirma aos discípulos que o “revestimento de poder” era indispensável à obra missionária da qual estavam incumbidos conforme Lucas 24.49; Atos 1.8; João 14.16-17. Tendo em consideração os dois pressupostos elucidados, compreendemos que o Espírito Santo e conseqüentemente seus dons são indispensáveis para a Igreja enquanto corpo de Cristo em atividade. Isto porque, ao invés da Bíblia propor qualquer cessação dos carismas, afirma pelo contrário que “Os sinais seguirão aqueles que crerem: Em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão” (Marcos 16.17-18), a afirmação de Cristo aqui não condiciona tempo, espaço ou pessoas, apenas “crer”, se crermos o sinais nos seguirão, dentre estes sinais estão “falar novas línguas” (Atos 2.1-4; 10.46;19.6)! Se crermos porque não podemos viver a materialização desta promessa? Eu respeito Agostinho, mas sua ponderação foi equívoca! Cristo prometeu e ele é infalível em suas promessas! As Escrituras ainda afirmam que Cristo “Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens” (Efésios 4.8) E isso se evidencia com Atos II, dentre tantos outros textos que mostram após a ascensão de Cristo o Espírito sendo infundido sem medidas e carismas sendo dispensados sobre os que criam. Paulo em I Coríntios 12.4-11 ressalta a importância dos carismas para a funcionalidade da Igreja quer enquanto organismo ou mesmo instituição, o mesmo Paulo acentua que os carismas levam-nos ao “aperfeiçoamento e a edificação do corpo” (Efésios 4.12). Escrevendo aos mesmos irmãos de Corinto, Paulo se regozija, haja vista, o fato de que “não lhes falta dom (carisma) algum” (I Coríntios 1.7). Aqueles que resistem aos carismas na contemporaneidade fazem-no por vezes, piedosamente, alegando que com o fechamento do cânon das Escrituras, tornam-se desnecessários os dons. Todavia, dois fatos precisam ser esclarecidos. O primeiro é que nenhum pentecostal clássico autêntico equipara, suplanta ou subjuga as Escrituras em relação a qualquer carisma que seja, aliás, mesmo os que se consideram “antipentecostais” que são honestos sabem que todas as denominações pentecostais clássicas têm as Escrituras como única regra de fé e conduta, sendo somente ela a Palavra de Deus (como revelação plenária- verbal) perfeita, infalível e eterna, sendo assim, não são os carismas (ou experiências) que definem verdades, pelo contrário são os carismas e as experiências que são julgados e legitimados ou não à luz das Escrituras Sagradas. Em segundo que a manifestação dos carismas não representa qualquer contradição às Escrituras, pelo contrário, a convicção da existência, operação e disponibilidade dos carismas para a Igreja em todos os tempos “antes que venha o que é perfeito” (I Coríntios 13.10) emana da própria Escritura. Os pentecostais não inventaram a idéia de carismas, tampouco de continuacionismo, pelo contrário, é o exame honesto das Escrituras que nos fazem crer que ainda hoje “A manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil” (I Coríntios 12.7), para nós pentecostais a manifestação do Espírito distribuindo seus carismas foi (As Escrituras Sagradas o afirmam e demonstram; assim como a História do movimento pentecostal-carismático) e ainda hoje é útil e é por isso que seguindo o conselho de Paulo “Procuramos com zelo os melhores dons” (I Coríntios 12.31a).







1. SYNAN. Vinson. O século do Espírito Santo. São Paulo. Editora Vida. 2009.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Fuja dos Estereótipos: Se esconda em Cristo!


            A Queda do homem (Gênesis 3.1-8) deformou (destruiu?) a imago Dei, isto é, a imagem de Deus em nós. Desde o Éden, o homem tornou-se um ser em ininterrupto conflito: Contra Deus (porque o pecado é uma declaração de guerra a Deus), contra o próximo, a começar pelo homicídio familiar de Caim para com Abel (Gênesis 4.1-7), e na realidade consigo mesmo, estamos diariamente em uma crise existencial, sintetizado na famosa expressão teatral-filosófica “ser ou não ser: eis a questão” (Hamlet- William Shakespeare). O Reverendo Hernandes Dias Lopes disse que o “homem é uma guerra civil ambulante”, a Queda, expressão do rompimento do homem para com Deus, desencadeou simultaneamente o processo de rompimento social humanitário. O Filósofo Platão (IV a.C) insistiu na dicotomia do homem, isto é, alma x corpo. Para este, a alma estava aprisionada no corpo, lutando desesperadamente por liberta-se. O mundo em si era dicotômico, a realidade imanente era uma oposição da transcendente. De fato, a dicotomia do mundo é latente. Na esfera social, a história registra conflitos entre brancos e negros, ricos e pobres, senhores e escravos (e nisso, somente, concordaria, em certa medida, guardada todas as proporções, com Karl Marx de uma “luta de classes” histórica), na esfera política se percebem a dicotomia entre direita (conservadora e/ou liberal) e a esquerda (essencialmente revolucionária). E infelizmente, nos meandros eclesiásticos, as dicotomias, tricotomias e fragmentações diversificadas também se evidenciam.
            Aos que às vezes lamentam falando a respeito de um tempo “em que os irmãos eram mais unidos” em detrimento dos dias hodiernos, tal prerrogativa é equívoca! Nos dias primeiros da Igreja cristã (primitiva), as fragmentações já se notabilizavam. A Igreja de Corinto é prova clara disso. Na sua epístola aos Coríntios, especialmente, nos capítulos I e III, Paulo trata de uma divisão existente que ameaçava a unidade da irmandade cristã. Partidarismos se formavam a ponto de uns afirmarem ser “de Paulo, outros de Apolo e outros de Cefas” (I Coríntios 1.11-12). No decorrer da História da Igreja não foi diferente. Nos idos do século II temos os apostólicos de um lado e os agnósticos do outro, no século III e IV o sério conflito entre arianos e nicenos. Temos o Cisma da Igreja Católica, entre romanos e ortodoxos, no século XI. No século XVI a Reforma Protestante introduzida por homens como John Huss (1369-1415) e Jerônimo Savonarola (1452-1498) e eclodida por Martinho Lutero (1483-1546), racharam definitivamente a cristandade e introduziu um tempo novo para a história eclesiástica. As fragmentações ainda se intensificariam mais dentro do protestantismo. Surgiria a divisão entre calvinistas e arminianos, tradicionais e pentecostais, pentecostais e neopentecostais, sem contar as inúmeras dissidências de dentro do protestantismo que deram vida a novas expressões de fé e grupos religiosos.
            Esse alvoroço todo retomou os dias da Igreja de Corinto, certamente, ainda mais agravante. O que assistimos hoje nas mídias televisivas e redes sociais é uma guerra religiosa interdenominacional indescritível. Muitos ditos cristãos têm se reduzido a estereótipos teológicos e denominacionais. Preferem identificarem-se como luteranos, calvinistas, anglicanos, pentecostais, etc., etc., evocando os coríntios que se identificavam como sendo de “Paulo, Apolo, Cefas, etc.” Não estou propondo, negarmos nossas raízes históricas- confessionais. Eu mesmo, por exemplo, assumo-me como pentecostal clássico. Foi dentro de uma denominação desse movimento que Cristo me chamou a graça, me salvou por seu amor incondicional, me deu a alegria de receber o Batismo no Espírito Santo (com a evidência inicial do “falar em outras línguas”, conforme Atos 2.1-4; Atos 10.46; Atos 19.6) e me designou para o ministério como ministro de sua palavra. Os conhecimentos objetivos das Escrituras somados à experiência subjetiva dos mistérios da fé que tenho vivido nesses anos foram dentro do contexto pentecostal clássico, onde me encontro, de onde falo, aqui é minha casa. Mas, sobretudo, ou mesmo, antes de tudo, sou cristão. É, aliás, a designação bíblica que os seguidores de Jesus, de fato, receberam, Lucas narra que “Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos” (Atos 11.26). Quando me assumo um pentecostal clássico, apenas digo que essa é a perspectiva teológica- hermenêutica de minha compreensão/confissão de fé. Mas minha vocação é ser cristão. Quando Jesus chamou os Doze (Mateus 10.1-40), chama-os para serem “seus discípulos”. O pastor e teólogo Dietrich Bonhoeffer (1906-1945), deixou-nos, antes do martírio, um livro excepcional chamado Discipulado (1937), certamente, a melhor obra sobre a temática que conheço, onde o autor nos leva a compreensão do genuíno chamado de Cristo a nós. Ser cristão e discípulo são a mesma coisa, aliás, só podemos ser alcunhados de cristãos pelo fato de termos sido matriculados no discipulado com Cristo. Os discípulos foram chamados para segui-lo, imitá-lo e dar continuidade às obras de Cristo (João 14.12/ Marcos 16.15), inclusive, “fazer discípulos” (Mateus 28.19) foi uma das últimas ordens expressas de nosso Senhor. Jesus não disse: “Sereis luteranos”, “sereis calvinistas”, “será arminiano”, “será pentecostal”, sua proposta era unilateral “sereis meus discípulos” (João 15.8) e nisto “O pai seria glorificado”, pois, os discípulos frutificam.
            O problema latente dos estereótipos é que eles guardam em si, posições extremistas que desembocam na segregação e fragmentação, no caso eclesiástico, do corpo de Cristo. Irmãos têm se digladiado em nome de teólogos e interpretes da fé, de sistemas teológicos e de denominações. Deveríamos deixar (vez em quando) os intérpretes (interpretes são falíveis) da Palavra de lado, pois muitos os têm como autoridades infalíveis (tipos de papas protestantes) e voltarmos à pureza da Palavra (sola scriptura). E o que esta Palavra diz a nós, cristãos, discípulos do Mestre é que “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (João 13.35). Discordâncias, perspectivas diferentes, ânimos aquecidos sempre haverá, mesmo Paulo e Barnabé, homens maduros e referenciais tiveram uma contenda a ponto de separam-se momentaneamente por situações em que discordaram (Atos 15.37-39). Paulo e Pedro, apóstolos modelares, de igual modo estranharam-se e “resistiram-se” (Gálatas 2.11-15). Mas mesmo em meio às discordâncias, renderam-se a “unidade do Espírito” (Efésios 4.3).  É tempo de fugirmos de estereótipos que nos separam e nos encontramos em Cristo que nos une “em um só corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres” (I Coríntios 12.13).