quarta-feira, 22 de março de 2017

Porque não somos cessacionistas? Uma perspectiva Pentecostal Clássica


  O cessacionismo, grosso modo, é uma corrente hermenêutica que interpreta os carismas (dons) espirituais relatados em Atos dos Apóstolos como pertencentes e pertinentes exclusivamente ao período apostólico e que, portanto, cessaram e/ou não estão mais disponíveis aos cristãos na contemporaneidade. Historicamente a raiz desta perspectiva equivocada, quiçá antibíblica, encontra-se (de forma sólida) em meados do século III- IV d.C. O contexto histórico apresenta um cristianismo pós-primitivo, distanciando-se dos apóstolos e dos denominados “Pais Apostólicos”, ou seja, aqueles primeiros padres (pais) e pastores (condutores) que guardaram a doutrina apostólica e se responsabilizaram por doutrinar na fé os novos convertidos de então. Com a conversão de Constantino I (272-337 d.C) que pôs fim na perseguição aos cristãos e posteriormente de Teodósio I (346-395 d.C) que efetivou o cristianismo como religião oficial do império Romano, a Igreja entrou em decadência, sua politização desencadeou um processo de racionalização, materialismo e mundanismo que se arrefeceram os ânimos no que tange a uma espiritualidade transcendente, experimental e vibrante. A Igreja agora livre, oficializada, institucionalizada e politizada, dispunha de mecanismos políticos, filosóficos e sociais no intuito de seu progresso e expansão que aparentemente dispensava a necessidade de “revestimento de poder” (Atos 1.8) como pressuposto para alcançar seus objetivos missionários. Agostinho de Hipona (354—430 d.C) o célebre “Doutor da Igreja” (Expressão designada pelo Catolicismo romano), foi um dos que mais contribuíram para fomentar o cessacionismo. São suas as palavras “O sinal foi dado e então expirou. Não devemos mais alimentar a expectativa de que quem receba a imposição de mãos deva receber o Espírito Santo e falar em línguas”, o mesmo Agostinho também disse “Por que, pergunto, não ocorrem mais milagres em nossos dias, como acontecia nos tempos antigos? Respondo que eles eram necessários na época, antes que o mundo viesse a crer, para que o mundo fosse convencido. (1)” Infelizmente essa interpretação instaurou-se no arcabouço doutrinário da Igreja à época e perduraram durante séculos na história do cristianismo, exceto um ou outro indivíduo ou mesmo pequenos grupos que tentaram corrigir esse erro, o clero e a grande massa da Igreja creu nisso quer no Catolicismo romano, no protestantismo luterano ou na reforma calvinista com suas especificidades.

  Somente em fins do século XVIII com as pregações do ministro anglicano e precursor dos grandes avivamentos John Wesley (1703-1791) e oficialmente com a experiência do falar em línguas da irmã Agnez Ozman em 1901 nos EUA e por fim, com a eclosão do movimento pentecostal cujo pólo foi Azuza Street (1906) é que as correntes do cessacionismo foram definitivamente destruídas e o continuacionismo emergiu das páginas das Sagradas Escrituras e do evento de Atos II para materializar-se novamente na história da Igreja. Mas afinal, porque nós, os pentecostais clássicos não somos cessacionistas? Porque somos bíblicos! E biblicamente não encontramos quaisquer subsídios que fundamentem uma cessação dos carismas (dons) do Espírito Santo no tempo dos apóstolos, pelo contrário, a pessoa, os carismas e a atuação do Espírito Santo são enfatizados e acentuados com maior intensidade exatamente para o tempo que marca as atividades da Igreja (enquanto corpo de Cristo) em constante espera (do retorno de Cristo) e trabalho (na proclamação do Evangelho).

  Biblicamente não somos cessacionistas, por no mínimo três motivos. O primeiro é a responsabilidade que temos como cristãos de darmos continuidade ao ministério de Cristo. Fato notável nos Evangelhos é o cuidado de Jesus em chamar homens para o discipulado e a preparação na nobre missão de disseminar o Evangelho (Mateus 10.1-10; Marcos 1.16-20), enquanto com eles, experimentou-os conforme Lucas 10.1-9; Mas sua ênfase recaiu, sobretudo, no compromisso dos discípulos enquanto propagadores do Evangelho, especialmente quando de sua partida (Mateus 28.19; Marcos 16.15; Lucas 24.46-47; João 20.21), contudo, o fato subseqüente é a incapacidade dos discípulos (em si mesmos) para tamanha missão. Interessante observar que mesmo Jesus, enquanto “Verbo encarnado” (João 1.1), isto é, o Deus que se fez carne (S. Anselmo) cumpriu as premissas de “ser batizado” e “receber o Espírito Santo” (Mateus 3.16) antes de iniciar suas atividades missionárias como relatam os quatro Evangelhos. A respeito de Cristo, o profeta Isaías profetizara sua pluralidade de carismas (11.1-2; vale ressaltar uma leitura paralela/ comparativa também em I Coríntios 12.7-10). Ora, se mesmo Jesus, apesar de plenamente Deus e plenamente homem considerou imprescindível, em sua condição humana “receber o Espírito Santo e os carismas advindos” quanto mais os discípulos (e nós como responsáveis pela continuidade da obra)? Aliás, tal dedução não pressupõe minha lógica explícita, antes, o próprio Jesus, afirma aos discípulos que o “revestimento de poder” era indispensável à obra missionária da qual estavam incumbidos conforme Lucas 24.49; Atos 1.8; João 14.16-17. Tendo em consideração os dois pressupostos elucidados, compreendemos que o Espírito Santo e conseqüentemente seus dons são indispensáveis para a Igreja enquanto corpo de Cristo em atividade. Isto porque, ao invés da Bíblia propor qualquer cessação dos carismas, afirma pelo contrário que “Os sinais seguirão aqueles que crerem: Em meu nome expulsarão demônios; falarão novas línguas; pegarão em serpentes; e se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão” (Marcos 16.17-18), a afirmação de Cristo aqui não condiciona tempo, espaço ou pessoas, apenas “crer”, se crermos o sinais nos seguirão, dentre estes sinais estão “falar novas línguas” (Atos 2.1-4; 10.46;19.6)! Se crermos porque não podemos viver a materialização desta promessa? Eu respeito Agostinho, mas sua ponderação foi equívoca! Cristo prometeu e ele é infalível em suas promessas! As Escrituras ainda afirmam que Cristo “Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens” (Efésios 4.8) E isso se evidencia com Atos II, dentre tantos outros textos que mostram após a ascensão de Cristo o Espírito sendo infundido sem medidas e carismas sendo dispensados sobre os que criam. Paulo em I Coríntios 12.4-11 ressalta a importância dos carismas para a funcionalidade da Igreja quer enquanto organismo ou mesmo instituição, o mesmo Paulo acentua que os carismas levam-nos ao “aperfeiçoamento e a edificação do corpo” (Efésios 4.12). Escrevendo aos mesmos irmãos de Corinto, Paulo se regozija, haja vista, o fato de que “não lhes falta dom (carisma) algum” (I Coríntios 1.7). Aqueles que resistem aos carismas na contemporaneidade fazem-no por vezes, piedosamente, alegando que com o fechamento do cânon das Escrituras, tornam-se desnecessários os dons. Todavia, dois fatos precisam ser esclarecidos. O primeiro é que nenhum pentecostal clássico autêntico equipara, suplanta ou subjuga as Escrituras em relação a qualquer carisma que seja, aliás, mesmo os que se consideram “antipentecostais” que são honestos sabem que todas as denominações pentecostais clássicas têm as Escrituras como única regra de fé e conduta, sendo somente ela a Palavra de Deus (como revelação plenária- verbal) perfeita, infalível e eterna, sendo assim, não são os carismas (ou experiências) que definem verdades, pelo contrário são os carismas e as experiências que são julgados e legitimados ou não à luz das Escrituras Sagradas. Em segundo que a manifestação dos carismas não representa qualquer contradição às Escrituras, pelo contrário, a convicção da existência, operação e disponibilidade dos carismas para a Igreja em todos os tempos “antes que venha o que é perfeito” (I Coríntios 13.10) emana da própria Escritura. Os pentecostais não inventaram a idéia de carismas, tampouco de continuacionismo, pelo contrário, é o exame honesto das Escrituras que nos fazem crer que ainda hoje “A manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil” (I Coríntios 12.7), para nós pentecostais a manifestação do Espírito distribuindo seus carismas foi (As Escrituras Sagradas o afirmam e demonstram; assim como a História do movimento pentecostal-carismático) e ainda hoje é útil e é por isso que seguindo o conselho de Paulo “Procuramos com zelo os melhores dons” (I Coríntios 12.31a).







1. SYNAN. Vinson. O século do Espírito Santo. São Paulo. Editora Vida. 2009.